sexta-feira

POEIRA E MUDANÇA

Eu sou otimista, a realidade é que não é, dizia meu pai. Eu sou otimista com o avanço inevitável da liberdade e Democracia da tal “revolução democrática” do Oriente Médio, de 2011.
A mídia tentou ajudar meu otimismo. Levantes foram retratados com enredos cinematográficos. Criaram-se propósitos, lógicas. Principalmente, mocinhos e bandidos. Onde existe uma realidade política-social complexa, vendeu-se a idéia de jovens internéticos lutando contra tanques. Parafraseando Vandré, “da força do twitter, vencendo canhões”. Há quem compre isto. Eu gostaria de comprar. Mas, a realidade conspira contra meu otimismo.
Na Tunísia, o mesmo grupo apoiador da ditadura segue no poder e manobra para que nas eleições só seus apoiadores sejam candidatos viáveis. Conseguirá.
No Egito, o exército, que esteve no poder junto com Mubarak (e com Sadat, seu antecessor), segue intocavelmente forte e já garantiu junto aos potenciais candidatos de “oposição” (praticamente, todos ex-colaboradores íntimos do regime destituído) não só a garantia de seu espaço, mas até a ampliação. Exemplo, os tribunais independentes para militares, que Mubarak havia aceitado para aplacar a oposição das ruas, já foram revogados.
Na Líbia, potências ocidentais (as mesmas que fizeram as guerras do Iraque e Afeganistão) armam radicais e bandos civis para garantir o fluxo de petróleo. Bombardeiam alvos civis. Elegeram para o papel de vilão do momento, o mesmo ditador com o qual conviveram e eram sócios até 3 meses atrás (já vi este filme com outro ator, Sadam). O massacre da população civil líbia, a guerra civil e o crescimento de grupos radicais islâmicos são os únicos resultados concretos até agora. Diante da realidade tribal líbia, da profunda divisão do país e da inexistência de sociedade civil (ou partidos) esses serão os únicos resultados a se esperar, no futuro próximo.
Síria e Bahrein estão reprimindo com eficiência a oposição e o medo de mudanças radicais fará retroceder em uma ou mais décadas a lenta abertura que se operava nestes países.
Além das mortes, os movimentos no Norte africano provocam outra mudança concreta. As políticas imigratórias européias. França e Espanha recusam os barcos e trens de refugiados dos conflitos. Ameaçam rever os acordos de livre circulação dentro da UE. Seus representantes, com gravatas italianas, farão longos debates em Francês, citarão filósofos alemães. Ao final, usarão o conflito africano como desculpa para retroceder, ainda mais, suas políticas migratórias.
O que é vendido como avanço democrático, fora a troca de meia dúzia de corruptos, redundou em sangue e retrocesso. Sigo otimista, a realidade não.

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