domingo

Cheque



"Agora resta uma mesa na sala" SB

Os primeiros dias do ano, trazem a memória do meu pai, na mesa da sala, datando com o ano novo, todo o talão de cheques. "Para não errar", dizia ele. Como se ele errasse um cheque. Como se alguma vez já tivesse confundido o ano, o numeral ou a rubrica.

Ele fazia isto para nos dar exemplo,  um discurso de escriba, uma prédica em números. Ele sabia que erraríamos  nossos cheques. Sempre.  Nós e os demais mortais. Haveria matérias de TV e jornal sobre a quantidade de cheques devolvidos. Ele sabia que entupiríamos  de trabalho inútil os seus colegas bancários que, nas compensações noturnas,  envoltos em pilhas claustrofóbicas de cheques, devolveriam nossas folhas, com carimbos atestando códigos acessíveis apenas aos iniciados, aos que não erram data de cheque. Código 44: Cheque prescrito


Meu pai, no princípio  de janeiro, reafirmava sua identidade, exercia sua camaradagem e, de  quebra, tirava onda dos incautos, com orgulho profissional. 

"Não se pode dar oportunidade para o 44", proferia meu pai ao pré datar seus cheques. 

Não há mais cheques a preencher, mas a mesa vazia me lembra que, chega um tempo, que vem um primeiro de janeiro quando ninguém escapa do 44.