sexta-feira

Era uma vez em uma Galáxia Muito, Muito Distante

Ela chegou entre um Memorando urgente e um documento atrasado.  O JN não noticiou. “Caras” não percebeu.  Lula não a recebeu no Planalto.  Nenhum candidato a mencionou no seu programa.  a “Nature” registrou.
Não é de boa educação perguntar –nem divulgar- a idade das visitas. Mas, o comitê de boas vindas acabou por descobrir. Nunca na história deste planeta, havíamos recebido uma visita tão antiga e de um lugar tão distante. Nascida quando nosso Universo -um jovem no vigor de seus 13,7 Bilhões de anos- era um bebê com pouco mais de 600 milhões de anos. Nossa ilustre visitante irrompeu há 13 bilhões de anos.
Longa jornada até que fosse vista pelo Very Large Telescop - certamente um nome dado por astrônomos homens fissurados em tamanho - da Agência Espacial Européia, nos Andes Chilenos. 13 bilhões de anos bilhões de anos para que sua luz chegasse a nós. 
E passou por maus bocados para nos alcançar. O Universo teve uma infância difícil. Era frio e escuro. Envolto por uma neblina densa. Bloqueio de Hidrogênio a eclipsar a luz das primeiras galáxias em formação.  
A luz de UDFy-38135539 -depois de bilhões de anos sem nome, arrumou um nome um tão feio, a pobre galáxia- só conseguiu romper essa barreira porque as explosões das galáxias que nasciam abriram espaço no nevoeiro. Caminho feito enquanto se caminha. No Hay camino. El camino se hace mientras se camina. Como na letra da canção de um tempo – há bilhões de anos talvez – quando a América Latina acreditava na revolução.
Atravessou névoas e  caminhou contra corrente.  O universo em expansão e a luz em regressão. Como em uma escada rolante que tentamos percorrer ao contrário. Brava viajante.
Não é uma estranha. É parente. Uma velha conhecida. Talvez pelo aperto pior do que metrô as 6:30, não nos lembremos. Há quase 14 bilhões de anos estávamos juntos, no aglomerado inicial, antes do Big-Bang. Lugar muito cheio, denso e quente.
E assim, depois de 13 bilhões de anos de uma difícil jornada, em uma tarde de Domingo, como convém a uma visitante, ela chegou.  Como toda mulher elegante, sua aparição foi impactante pero breve. Foi-se. Deixou algumas pistas sobre o caminho que fez e um rastro de espectro de luz vermelha. Ficou um redshift, uma saudade.
Tem pressa.  Seguiu sua viagem na velocidade da luz. Ainda há muito a percorrer até o destino final, onde tudo começou. Lá,  UDFy-38135539, todos os corpos celestes que ela visitou, eu, você e destinatário de meu Memorando nos reencontraremos.
Boa viagem, a gente se vê, um dia. 
Na saudade, os cientistas fizeram um vídeo que simula a viagem pelo espaço e pelo tempo até UDFy-38135539. Assisti reverentemente.  Lembrei que cada “nuvenzinha” luminosa no vídeo é uma galáxia inteira. Nelas, há bilhões de estrelas. E apoximadamente um quatrilhão de planetas a orbitarem. Em algum deles talvez haja um cara igual a mim, iludido a pensar que seu Memorando é o centro do universo.

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http://www.eso.org/public/videos/eso1041c/

sábado

Não vai Pegar Você

Tropa de Elite II marca a rendição total de Padilha ao Capitão Nascimento. O herói acidental consolida sua história e é promovido. É o homem sempre certo, ainda quando erra. Acima de todos. Narrador porque tem a verdade. O dono da história, sua história.
Tropa de Elite II é excelente Hollywood falado em Português e com cenários cariocas. Bons atores e cenografia esmerada completam a diversão com pretensões de paródia da realidade. Filé de entretenimento, longe de ser um "osso duro de roer"

Tropa de Elite II tem moral da história, como bom hollywoodiano. O sistema é corrupto. As pessoas que controlam o sistema são corruptas. O espectador é puro. É vítima dos maus. Não participa do sistema. É por ele usado e consumido. Não alimenta a corrupção. Não busca favores públicos. Não luta por privilégios. É um público santo com representantes crápulas. O culpado sempre são os outros. Entretenimento travestido de crítica social.

Não há cinzas em TEII . Ou você é Azul, corrupto (farda da PM comprada) ou é preto (cor do BOPE, o guardião da honra dos bons). Tem pitadas de Tarantino e seu humor macabro. Tem o sangue dos filmes de máfia, sem os tons amenos da fotografia de um Poderoso Chefão. Não há meio-tons. Tudo é claro em Tropa de Elite. A luz do narrador expõe a verdade: O público é "caveira", o sistema é "arregado".  
Um filme que paira acima até dos milhões de patrocínios e de isenção fiscal providos pelo sistema corrupto (claro, no caso do cinema isto não se aplica, porque é uma arte honesta por isto merece os provilégios que tem...).

O Tenente-Coronel Nascimento, acima da história, redime a todos. Na cena final, sobrevoo de Brasília, porque estamos todos acima da baixaria deles. O aparelho pisca e  indica que há vida, esperança. Para quem chora em final de novela, tocante.
Tropa de Elite II pode "pegar um", pode até "pegar geral". Mas, não se preocupe, não "vai pegar você". Pode aplaudir.

quarta-feira

METEORITO

Não me podia a Sorte dar guarida
Por eu não ser dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
Calmo sob mudos céus,

Fiel à palavra dada e à idéia tida.
Tudo mais é com Deus!

 (Fernando Pessoa)
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Noutro dia, acordei Carpe Diem. Nestes dias quando você promete fazer algo diferente. Um ato ímpar que torne seu dia memorável.
É um bom sentimento. Mas, de difícil execução. A rotina nos protege, a natureza adora a repetição.
Vestir a cueca para fora da calça? Ir trabalhar com as pantufas do Mickey da minha filha? Diferentes. Mas, há formas mais originais de se expor ao ridículo. 
Logo no elevador, pensei em agarrar a vizinha. Risco grande. Além do divórcio, o mais provável é que meu gesto impetuoso fosse visto como agressão.  Não poderia mais ser candidato a senador, nem a síndico do prédio.  
 
Na padaria, pensei em pedir cappuccino, ao invés da mesma média profundamente escura. Não consegui. A única coisa memorável no cappuccino seriam as calorias.
No final da tarde, voltava para casa, derrotado pela mesmice. Foi quando passei em frente a uma lotérica. Fila longa. Mega-Sena acumulada.
Nunca joguei. Sou de uma espécie de pessimismo turrão. Daqueles que acreditam em estatísticas. Análise probabilística simples. Nunca joguei na Mega-Sena pelo mesmo motivo que nunca inseri proteção contra meteoritos na apólice do seguro de meu carro. Afinal, ser atingido por um meteorito é algo que tem aproximadamente a mesma chance de eu ganhar na Mega-Sena acumulada.
Minha virgindade na Mega-Sena combinada com minha falta de habilidade com a bola e com minha pobreza de samba no pé seriam motivos para cassar minha cidadania.
Mas, pensei na minha promessa Carpe Diem.  Entrei na fila.
E que fila. Daria um estudo antropológico. Um grupo mais heterogêneo que o arco de alianças de Lula.

Um executivo em seu terno bem cortado. Olhava o I-Phone, talvez conferisse o fechamento da bolsa.

Duas senhoras falantes, com caras de saídas do bingo da igreja. Pode ser que tentavam a sorte em algo maior do que um jogo de panelas.

Um jovem, pelo menos era o que parecia ser por detrás da franja assimétrica. Usava uma calça de uma cor igual às dos lápis que ficavam intactos no estojo.

Uma mulher, pelos seus 35-40 anos. Aliança de design tradicional no anelar esquerdo. A julgar pelos cabelos molhados, o vestido preto levemente amarrotado  e pela cara amarrada, talvez buscasse a prometida sorte no amor para os que têm azar no jogo.
 
Uma moça envelhecida precocemente, quem sabe pela vida dura que seus olhos carregavam. Um rapaz, em uniforme de chef de fast-food, fumava com impaciência. Acho que deixara algo no fogo.
E assim a fila seguia, com tipos de todos os tipos. O IBOPE deveria fazer pesquisa eleitoral em fila de Mega-Sena. Melhor amostra impossível. Dela só ficam de fora os que acreditam em meteoritos. E estes votam “nulo” porque sabem que tudo vai dar errado.
Não sou do tipo de me sentir intimo. Chamo garçom de senhor, bato na porta do quarto de meus filhos, desde que eles nem tinham altura para alcançar a maçaneta. Mas, uma fila de Mega-Sena gera um tipo de intimidade instantânea. Em minutos, estavam todos conversando.
O executivo com um olho no I-Phone e outro no vestido preto: 
- Estimam em mais de 100 milhões o prêmio.

A senhora do bingo sábia emenda:
- Eu nem quero ganhar sozinha. Muito dinheiro atrapalha.

- Por mim, qualquer coisa já mudava minha vida, desde que desse para sair do aluguel, ajudar minha mãe, colocar meus filhos na melhor escola do mundo. Declarou altruísta a moça do cansaço nos olhos.

O chef de fast-food:
- A primeira coisa que eu faria seria jogar fora todos os meus relógios, principalmente o meu despertador.

O rapaz em sua calça caneta-marca-texto tirou a franja do cabelo e emendou:
- E eu atirava o meu na cabeça do meu chefe.

- Jesus vai me abençoar e vou ganhar. Comprar um barco enorme e sumir. Afirmou com fé, a mulher dos cabelos molhados.

- E você? Todos me encararam.
- Eu? Não tenho a mínima idéia.
- Mentira. Todo mundo tem um plano, sentenciou a morena.

Pensei em dizer que compraria uma passagem no barco dela, mas se fosse para apanhar, teria tentado minhas chances com a vizinha no elevador.

Ninguém acreditava que não tivesse um sonho para aquela fila. Viajar? Pago para ficar. Parar de trabalhar? Ficaria entediado em 15 dias. Telefonar para uma meia-dúzia de pessoas e xingar até a 6ª encarnação delas? Mesmo milionário, ligaria 5 minutos depois, para pedir desculpas. Era capaz de ainda dividir o prêmio com eles, por remorso dos meus impropérios.

Adoraria ter muito dinheiro e nunca mais me preocupar com isto, claro. Mas, os milhões de desejos que passavam pela minha cabeça até poderiam ser impulsionados, mas não se resolveriam com os milhões da Mega-Sena.

Descobri que não tinha planos consistentes para meus futuros 100 milhões.  Talvez nunca tivesse jogado pela minha pobreza de imaginação. As pessoas talvez não joguem para ganhar, apostem pelo direito de sonhar o que fazer com o prêmio. Privilégio só de quem tem um bilhete.

Joga-se por um plano para a sorte. Por uma solução, um sonho, um alívio que o dinheiro trará. Acredita-se, por mais que se saiba que é mais fácil ser atingido por um meteorito.

Não estava preparado para aquela fila. Desejei sorte a todos meus recém conhecidos velhos amigos. Fui embora. Diante da incompreensão deles. Menos um concorrente, alguns podem ter pensado.  Quando eu descobrir a resposta, volto.

100 milhões são suficientes para construir um escudo à prova de meteoritos?