quinta-feira

GRANDES EMPRESAS, GRANDES ENGANOS


Torço pelo Fluminense, sou capixaba, em resumo, um cara de paz.  Mas, hoje, ao escutar pela milionésisima vez certo discurso, reagi. O papo era aquele que enaltece a superioridade empresa (uso este termo no sentido lato, de “organização econômica, civil ou comercial, constituída para oferecer ao mercado bens e/ou serviços”) privada em relação aos governos, ONG’s e outras formas de organização empresarial, tais como empresas coletivas, etc.
Este discurso dá por certo, provado e irrefutável atributos da empresa privada. Todos bons. Qualidades como eficiência, maximização de resultados, transparência, bom uso de recursos, racionalidade todos seriam atribuídos, quase exclusividade, senão invenções da empresa privada. Todo o restante, ruim, caberia aos outros. Coisa de marketing, algo em que a empresa privada é irrefutavelmente melhor do que as demais formas de organização empresarial.
Pacientemente expliquei ao meu arrogante interlocutor que os dados não sustentam seu discurso. As empresas privadas são excelentes para gerar riquezas, mas não foram capazes de organizar com eficiência boa parte das grandes necessidades humanas. Segurança, Saúde, Habitação, Educação de Massas. Nas áreas que contribuem, só o fazem com algum grau de benefício público (estímulos/subsídios/concessões) por outras formas de associação (geralmente o Estado). Ou ainda, quando são reguladas e vigiadas.
Não há uma grande Universidade privada no mundo (as que não são públicas são religiosas ou de mantenedoras coletivas). Procure alguma instituição privada, entre a lista dos 50 maiores centros de pesquisa?  Não há. Os grandes feitos da Humanidade foram e continuam sendo alcançados por indivíduos organizados coletivamente em benefício coletivo. As grandes descobertas tinham interesses econômicos, mas foram estruturadas por Estados (não é à toa que a História mostra que os Estados Nacionais Modernos que primeiro se organizaram, Espanha e Portugal, saíram na frente nas descobertas). Foi uma agência estatal quem levou o Homem à Lua. Uma empresa privada não busca eficiência, busca lucro. Algo muito distinto. 
Tive que lembrar ao meu mal informado colega de:  Filas, protocolos perdidos, encomendas trocadas, cobranças indevidas, produtos com defeitos, propaganda enganosa, custos parciais transferidos a preço final. Nada disto existe na empresa privada? Algumas das corporações globais, cujos muito bem pagos CEOs posam nas capas das revistas como gurus da eficiência, não conseguem atender um simples queixa de seus consumidores.
Não queria, mas fui forçado a apelar para referências acadêmicas. No quesito transparência e bom uso de recursos, vale dizer (e provar) que os prejuízos decorrentes de desvios e fraudes nas empresas privadas excedem até mesmo a perda provocada pela corrupção no Estado. Quem diz isto é a Universidade de Cornell, verdadeira incubadora de CEOs, em um estudo sobre fraudes (Samuel Curtis Johnson “Graduate School of Management Journal" Dezembro de 2010). Você não votou no presidente da Merryl Linch ou da Mesbla, mas teve que pagar pelos seus prejuízos da mesma maneira.

Conhece algum  funcionário de empresa privada que daria aula para uma classe multiseriada lotada, por R$500,00/mês e ainda tiraria dinheiro do bolso para comprar materiais para seus alunos?  Pois isto ocorre em milhares de casos por todo o mundo em outros tipos de empresa (públicas, não-governamentais, etc). A capacidade de maximizar recursos é comprovadamente muito maior nos empreendimentos não-privados. Um Nobel de Economia (Stiglitz) já provou que a competição, embora maximize resultados em um primeiro ciclo, prejudica a eficiência e gera cartelizaçao em mercados abertos não-regulados.

Qualquer aluno de ensino médio estudou que, na evolução social, o mundo iniciou-se na empresa familiar, foi para a privada e só muito tempo depois chegou às formas de Estado e outras organizações coletivas e/ou associativas. Noutras palavras, o coletivo é a evolução do privado, não o contrário.
Mas, não quero cair no erro primário de alguns “oriundi” do mundo corporativo. Não defendo a superioridade de ONGs, do Governo, de ninguém. Os sacos são distintos, mas é tudo farinha. Há muitos erros e acertos. Não há monopólio das virtudes, nem exclusividade de vícios. Humanos compartilhamos nossas ineficiências e contradições. As diversas formas de empresa  aplicam-se a objetos distintos. Problemas coletivos não serão resolvidos pela lógica da empresa privada.

Meu interlocutor saiu tonto com os dados. Deve ter pensado que só um cara de ONG para falar este tipo de absurdo.  Sem problemas, sou um cara de paz e paciente. Esperei 26 anos por um novo título do brasileirão,  posso aguardar um pouco para meu colega perceber que a Microsoft tem muito a aprender com o Exército de Salvação  :)

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