terça-feira

OUTRO DESVIO


Só a vi porque tive que parar no acostamento. Era uma placa caída em um vão, à beira da estrada. 

Dizia: Desvio. 

Mas, não importa, porque ninguém a lerá. 

O destino de uma mensagem não entregue é silêncio.

Este post também é uma placa caída. 

Se fosse lido, diria: "Breve, ou Tarde, 'Em dia de Ruço as Pontes precisam ser Vermelhas ".  

Um desvio, mais um. 

Outro livro, com começo, meio e fim. Não necessariamente nesta ordem.

Os outros textos ficarão  à beira da estrada. 

Esperarão pelo término do desvio de “'Em dia de Ruço ...”. 

O primeiro trecho pronto, está no post anterior

Escrever um livro não requer talento: estão aí Paulo Coelho e Gabriel Chalita para provarem isto. Mas, demanda coragem. No meu caso, mais dos meus 3 leitores e meio do que minha.

Millor, se vivo e exposto ao que escrevo diria: "será do tipo de livro que se você larga, não pega mais".



segunda-feira

QUASE UMA HISTÓRIA DE AMOR (trecho)

NI NI
Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado?
                                        (Maria Teresa Horta)


-        O que te traz para este lado da sala?
-        A vista é mais bonita...
-        Aqui não tem janela.
-        Mas tem um horizonte mais amplo.
-        Eu vejo um horizonte mais restrito, desde que você se sentou entre eu e minha amiga. O que te traz para este lado da sala?
-        Repetição de perguntas é uma técnica de interrogatório. Pois bem, confesso. Vim oferecer uma oportunidade.
-        Quer me vender alguma coisa? Sua alma?
-        Eu lhe daria a minha de graça se ainda tivesse uma. Minha proposta irrecusável é outra: Faça esse trabalho do Palhares em dupla comigo.
-        De tão amplo seu horizonte, acho que você ficou míope. Não está vendo? Esta é Tatiana, e faremos o trabalho juntas. Como já fizemos outros. Melhor voltar para a sua janela.
-        Só se fosse para me jogar. Tati?  Prazer. Sou o "moço da janela que quer lhe ajudar". No ultimo trabalho, você tiraram C. E o Palhares é um chato machista. Vocês vão terminar com DP.
-        Pretensioso...
-        Tati, sua reativa amiga nem ouviu o memorial e já parte para a sentença...
-        O nome dela é Malu
-        Meu nome é Maria Lúcia.
-        Obrigado Tati, percebo que você, diferentemente de sua reativa amiga, não teme o diálogo. Maria Lúcia se recusa a admitir. Mas, você me parece sensata. Sabe aquele rapaz na primeira carteira?
-        Na fila da janela?
-        Sim. O nome dele é Sérgio. Ele é minha dupla. Fixa, por direito hereditário, perpétuo. Usucapião. Possessio Naturalis. Estudamos juntos, desde quando disputávamos quem tinha mais pentelhos e nosso sonho era um mundo sem meninas. Sérgio é tão CDF que  fica deprimido se não tira A+. E a última vez que o vi deprimido, foi no Jardim de Infância. Ele tinha dificuldades em desenhar as cobrinhas na linha. 
-        E...?
-        Sérgio é C.D.F. e tão desesperado por ser visto ao lado de uma menina bonita como você, que faria o trabalho sozinho, um trabalho "A", se você pedisse.
-        Será?
-        Se você quiser emprestada a minha vaga na dupla, o “A”, é só ir até lá. Cedo meu direito, sem ônus. Já o convenci. Faço dupla com sua amiga Maria Lucia, você tira a nota de que precisa para nunca mais olhar a cara do "reaça" do Palhares. Temos um acordo?
-        Para mim tudo bem. Será melhor, Malu. O ensebado do Palhares está com marcação com a gente. Já viu como ele olha torto para estes “bottons” que você usa? Vou lá falar com o Sérgio.
-        Tati? Tati?  “Doutor Ladrão de Parceiras”, você conseguiu convencer Tati. Qualquer um consegue. Mas, isto não quer dizer que eu vá fazer dupla com você.
-        Isso não. Mas, seu sorriso sim.
-        Que sorriso?
-        Este que você tenta conter, agora. Res ipsa licotur.
-        Nada é óbvio na sua ação. Você se arrisca a perder um “A”, a vista da janela e ainda seu parceiro CDF por direito?
-        Eu só vejo ganhos, nenhuma perda.
-        E qual seria o seu ganho nessa armação?
-        Gratidão.
-        De quem?
-        Do Sérgio, por conseguir chegar na Tati; a dela, que não terá que aturar o Palhares mais um semestre; e a sua...
-        Por que eu seria grata a você?
-        Pela oportunidade de salvar minha vida.
-        Pensei que você buscasse uma parceira para uma dupla, não a salvação.
-        Não são a mesma coisa?
-        Nem sei seu nome, “Dr. Ladrão de Parceiras em busca de salvação.”
-        Pode me chamar de Gracho, com CH.
-        Poder, eu posso te chamar do que quiser. Inclusive tenho alguns nomes que caberiam bem em você: Petulante, com P; intrometido, com I; escorregadio, com E. E outra palavra com  F. Seu nome?
-        Com F? Foda? Fofo?  
-        Seu nome?
-        Repetição de pergunta? Entrego tudo. Meu nome é Ignácio Leon
-        E Gracho com CH?
-        Sobrenome. É italiano.
-        Nome de santo espanhol de direita com um revolucionário russo ateu. Não combina.
-        Ambos foram irredutíveis.
-        Loyola e Trotsky?
-        Não. Minha mãe e meu pai. Ela queria Ignácio. Ele, Leon. O amor, o vinho e a fome italianos misturam tudo, até um comunista e uma carola.
-        O amor só disfarça os abismos sob nomes, tetos ou sobre uma mesma cama. Mas, eles seguem lá.
-        Gosto dos abismos.
-        Não tem medo de cair?
-        Na sua frente, eu tenho medo de levitar.
-        Você é mais Gracho com CH, Ignácio ou mais Leon?
-        Sou mais quem você quiser.
-        E se eu quiser que você seja o que realmente é.
-        Ainda assim serei o que você quiser.
-        Bom de sofisma. Será um bom advogado.
-        Qual deles? Gracho, Ignácio ou León?
-        Quem o cliente quiser.
-        Você me xinga e eu ainda assim me sinto encantado. Será uma boa promotora.
-        Quem disse que quero ser promotora?
-        Seu lápis.
-        Eu não uso lápis. Só caneta.
-        Por isto mesmo. Definitiva, decidida. Faremos uma grande dupla.
-        Você não me parece alguém em quem eu possa confiar.
-        Se confia em si mesma, já seremos uma dupla 50% confiável.
-        Aceito, com uma condição.
-        Condição ex post facto?
-        Sim. Porém, condição com poder retroativo de nulidade, se não cumprida.
-        Um “contrato condicional” com  evento futuro e sempre incerto?
-        Não é você que não teme abismos?
-        Linda, inquisitória e com boa memória. Não tenho chances. Firmo o presente acordo. Minha rendição. Apresente sua condição.
-        Como sabia que tiramos “C”? Se mentir, dupla desfeita.
-        Eu não sabia.
-        Inventou?
-        Não. Só apostei que meu desejo poderia ser a verdade. Geralmente dá certo.
-        Trapaceiro.
-        Esperançoso.
-        Truque ou não, cumpro meus acordos. Somos uma dupla agora. Prazer, Maria Lucia.
-        Malu?
-        Para você Maria Lúcia. Já fiz muitas concessões por hoje, León.
-        Vejo que se decidiu por León. Descobriu meu lado verdadeiro?

-        Não. Só apostei que meu desejo possa ser verdade.  Geralmente dá errado.