sábado

APÓCRIFO

E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro. E disse Deus: Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre águas e águas. E fez Deus a expansão, e fez separação entre as águas que estavam debaixo da expansão e as águas que estavam sobre a expansão; e assim foi. E chamou Deus à expansão Céus, e foi a tarde e a manhã, o dia segundo. Gênesis 1:4-8
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Cansados de discutir sobre seu sexo, os anjos começaram a debater angelicalmente sobre qual era a mais bela dentre as duas novidades, Dia ou Noite. Miguel, anjo de guerra, declarou que o dia era indubitavelmente mais belo. Claro, firme e forte. Nele poderiam ser vislumbrados todos os detalhes da criação. Os Querubins, cantores e músicos, gostaram da noite. Nela suas melodias e cânticos ecoariam sem distrações. A sombra é a acústica da arte. Lúcifer, como todo diabo, ficou em cima do muro. No fundo, roia-se de inveja de não ter tido esta idéia, antes.
Mesmo ocupado com sua criação, Deus oniscientemente informado da celeuma, anunciou que revelaria a resposta final para a dúvida. Convidou a todos: a Trindade, os anjos, inclusive os decaídos para uma visita a um pedacinho da nova criação, em determinada hora. Como os relógios não haviam sido inventados, tal o tempo fosse também uma novidade, anunciou o convite onipresentemente.
Antes que a pontualidade britânica tivesse sido inventada, na hora anunciada, todos estavam lá. Lúcifer, de beca nova, vaidoso como sempre, tentou entrar no camarote VIP, onde estavam o Filho e o Espírito, Gabriel e Miguel. Mas, foi barrado por Serafins. Sua credencial havia sido revogada. Resignou-se por se acomodar ao lado dos Querubins, Serafins e Afins. Até os não afins foram.  Além do Coisa-Ruim, os primeiros rebeldes sem causa vieram em peso. Deixaram o Inferno estava às moscas, alias, mosca é invenção do Inferno.
Até aquele momento, ninguém entendia o motivo da assembléia, nem o inusitado local, um ístmo de rocha, que avançava em uma praia, como um navio (ainda não inventado) atracado. Formava assim, duas baías, uma posterior, outra anterior.
Mas, nada acontecia. Alguns anjos poliam as asas. Outros colocavam as informações em dia sobre os últimos detalhes da criação. Os Querubins já pareciam preocupados. Agora, que o tempo estava inventado, com ele vinham os prazos dados pelos chefes. E o Patrão havia dito que o mundo todo estaria pronto em 6 dias. Logo, o ensaio do coral celestial para a inauguração do Universo, não poderia se atrasar. Lúcifer anunciou que tinha deixado o fogo aceso no inferno e precisaria voltar logo. Reclamou. Miguel encarou. O clima ficou tenso, os Serafins seguravam os cabos de suas espadas flamejantes. Miguel parecia pronto para a briga. Gabriel tomava notas.
Então viram. O Sol, outra invenção recente, começa a abaixar, no horizonte. Seus raios pareciam dissolver-se nas águas verdes. Sem que se dessem conta, foram invadidos por outra luz, vindo das suas costas. Era a recém inaugurada Lua. Gorda e bastante, espalhava reflexos de sua luz amanteigada pelas águas já escuras, da baía anterior.
Diante de tal cenário, todos compreenderam. Miguel apertou o punho de sua lança para conter o choro. Guerreiros não podem dar este vexame, pensou. Até, Lúcifer, mesmo roído de inveja, entendeu o recado. Encontro do Dia e da Noite. Totalidade tranqüila. Os Querubins cantaram.
Diante do pôr-do-sol, o Espírito pairou sobre as duas baías.  O Filho, inspirado pelo momento antecipou a linguagem dos monges que um dia cultivariam aquela cena devotamente: os surfistas.
- Óia aí Ó. Pôôô, Véio. Sinistro este cenário. Por que você, deste vez não fez aquele barato de “Haja o pôr-do-sol”. Para que este rolê todo? Queria causar?
- Filho, tem coisas que o verbo não alcança.
-Óia aí, ó Véio. Sóó.
Deus, chamando Gabriel, disse-lhe:
- Tome nota. Quando os primeiros homens e mulheres (que inventarei nos próximos dias) descobrirem este lugar, o chamarão de Pedra que Canta (Itaipu). E, os caraíbas que vierem depois deles, dirão que esta terra se chamará Vitória do Espírito Santo.

Pôr-do-Sol, visto do Rochedo de Itaipu, na Praia da Costa.