quinta-feira

O CORPO VISÍVEL E OS INVISÍVEIS

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  • O corpo do menino na praia, que chocou a todos não é o primeiro. Até o final deste ano serão 400.000 corpos.  Todos estes também estão naquela praia, mesmo que invisíveis. E para fazer um extermínio destes é necessária uma quadrilha. Exército Sírio, Milícias Sírias, Hamas e ISIS puxam os seus gatilhos, mas esta quadrilha tem apoio de Rússia, China, Israel, Turquia e é liderada pelos EUA com a ajuda luxuosa de seus tenentes europeus da OTAN.  
  • Quando os protestos da Praça Tahir começaram, chamaram atenção. Estudantes e a classe media urbana se levantavam visivelmente, depois de décadas calados por uma ditadura, Pequenos protestos surgiram na Tunísia, Líbia, Síria, Omã, Catar, Jordânia, etc.
  • Algum jornalista criativo e sem preocupação com a exatidão (igual à maioria) inventou que aquilo fosse uma “primavera”. O termo ganhou as manchetes e trendtopics. Explicações simplistas são populares. Espalhou-se a visão maniqueísta de que os bons, usando twitter e BB Messenger estavam vencendo os maus com suas metralhadoras. A ladainha da “Flor vencendo canhão”. O mundo comprou esta besteira. Pior, governantes passaram a agir como se isto fosse verdade.
  • Os governantes ocidentais, alertados por pesquisas e pools de todo tipo, perceberam a chance de fazer uma média com o sangue alheio e de quebra ainda ajudar sues interesses econômicos. Liderados pelos EUA, começaram a isolar os governos. Ignoraram que os grupos que protestavam não tinham liderança, organização, interesses comuns, plataformas nem nenhum suporte institucional.
  • Bem, não isolaram todos. Deram apoio a Omã, Jordânia e Catar (via Arábia Saudita). Nestes países os governos cederam um pouco reprimiram outro tanto e a situação voltou a comum paz armada do oriente médio.
  • Os protestos ganharam ruas e armas. Na Líbia geraram uma guerra civil que ainda não terminou (e que teve reflexos nefastos e, guerrilhas no Mali, Djibuti, Niger e no fortalecimento do Boko Haran, na Nigéria). Na Tunísia, derrubaram um governo e colocaram um tão fraco que grupos tribais armados tomaram controle e dão suporte para um braço da Al Qaeda. No Egito, o mesmo grupo derrubado retomou o poder q nunca perdeu de fato e hoje reprime mais do que antes.
  • A Síria tinha uma ditadura há 4 décadas. Comparado a seus vizinhos, um regime moderado, laico com algumas liberdades civis e religiosas maiores dos que as existentes na maioria dos regimes da região, inclusive de aliados ocidentais como Arábia Saudita. Mas, EUA e OTAN acreditavam que Assad deveria se render as listas de AVAAZ e similares e aos pedidos de Fora-Assad do facebook. Acreditavam que isto reduzia o poder russo, abriria caminho para novos negócios (um novo gasoduto) e ainda isolasse o Hamas (que sempre teve proximidades com o regime de Assad) beneficiando Israel.
  • Assad acuado propôs uma reforma da constituição, aberturas aqui ou ali. Mas, os “bonzinhos” ocidentais foram irredutíveis. Isolaram o regime, armaram os opositores, melhoraram seus índices internos de aprovação como campeões da liberdade.
  •  Rússia não abandonou seu aliado histórico e alertou por todos os meios que se a guerra não fosse evitada, ela se tornaria crônica.  Em um artigo publicado nos EUA, o chanceler Russo avisava que seria impossível prever o desfecho se liberadas as violências contidas por séculos de grupos religiosos, alguns extremistas, dentro da Síria (Sufis, Xiitas, Católicos Maronitas, Melquitas e Ortodoxos), Curdos (e a Turquia que os considera inimigos) e Sunitas (de 3 diferentes facções) e Xiitas do lado iraquiano, Hamas e Israel no Líbano. Em resumo, TODOS sabiam que isto era uma receita para um desastre.
  • Israel também apostava que uma guerra entre seus inimigos seria uma excelente alternativa para aumentar sua "segurança".
  • Mas, a opinião publica foi decisiva para as decisões de Obama e seus tenentes europeus. em 2012, 78% dos americanos acreditava que o regime sírio deveria ser destituído. Marchas em Paris e Londres diziam o mesmo a seus governos. Nos EUA chegou a se formar uma aliança improvável entre grupos de DDHH e a direita evangelical (pró-Israel). 
  • Mr Obama e seus satélites europeus viram aí a chance rara de agradar a todos e ainda ganhar poder. Romperam todos os canais de dialogo com o governo, estabeleceram relações formais com os adversários e começaram a arma-los.  A China assiste a tudo feliz com seus inimigos geopolíticos estarem gastando tempo e recursos. Rússia, retraiu sua posição de apoio, mas nunca fechou  os canais de armas e petróleo para Assad.
  • As potencias deram o GO para a guerra prosseguir
  • Isolado, Assad se tornou o ditador sanguinário que nunca pode ser (porque tinha q manter as relações com o ocidente e com a oposição moderada), bombardeou sua própria população com armas químicas, contratou o Hamas (sim eles mesmos) para reforçar seu exercito, e lhes deu equipamentos militares e dinheiro.
  • Como se não bastasse, o Iraque, desestabilizado por uma cruzada americana digna de Chapolin Colorado, continuava a sangrar. Debilitado, o governo xiita entregou o controle de parte norte aos curdos. Turquia contrariada (consideram os curdos uma ameaça à sua integridade territorial) abrigou grupos sunitas radicais que logo cruzariam a fronteira e criariam uma caravana de morte, estupros e sangue, um projeto de califado do sec XV, tornado possível pela política do SEC.XXI, que chamamos de ISIS. A guerra chegou rapidamente à fronteira com Síria. O caos chama o caos.
  • O que fazem EUA e EUROPA que deram as condições para a guerra começar e não terminar? Fecharam suas fronteiras aos refugiados, não cumpriram nem 20% da meta do apelo de ajuda humanitária feita pela ONU.
  • Onde estava a mesma opinião publica que antes celebrava orgasticamente os protestos com seus smatphones nos seus carros ou em salas aquecidos pelo petróleo do oriente médio? Ela agora xinga seus governos por abrigarem 3.2% dos refugiados (apenas os que tinham $, formação ou vínculos), por gastarem algumas migalhas dos contribuintes para dar comida e teto s vitimas. Quanta hipocrisia! Quanta incoerência!
  • Brasil, na periferia deste jogo de poder, tentou servir de mediador, mas sem músculos só conseguiu repercussão  na imprensa local, que "leu" assim: "o Itamarati quer negociar com terroristas e combater a primavera árabe". Ahã.
  • Aqui recebemos pouco mais de 2000 refugiados sírios (outros 3000 devem ter vindos com vistos de turismo), um número maior dq antes, mas ainda ridiculamente pequeno para o tamanho e pluralidade do país. Mesmo tímidos em apoiar, um parte de nossa classe media fascista e inculta ainda protesta contra o que crê ser "ajuda" indevida e desvio de recursos que deveriam ser aplicados nos nossos problemas internos.


  • O resultado macabro até aqui:
  • ·         Quase metade da população da Síria (4 milhões) teve que se refugiar. Outros 650000 dos países vizinhos também foram expulsos de casa. Quase 1.000.000 de crianças.
  • ·         Estima-se em 360.000 mortos, 240.000 só em território Sírio.  Destes, 98.000 têm menos de 18 anos, 12500 menos de 12 anos. Se a cena terrível do menino afogado nos é forte, imagine aquela praia com 12000 corpos. Bem, onde a câmera mostra um menino, há 12000, eles estão lá, só que distribuídos em 4 anos.


  • O corpo visível na praia e outras centenas de milhares corpos ocultos parecem não bastar para nos mover da indiferença em relação ao sofrimento de quem não nos interessa, de quem não nos dá lucro. Pode ser o sírio ou jovem negro da periferia.

  • A indignação de facebook não mudará nada nesta indiferença. Este texto não muda nada. Só a ação muda. E nenhuma ação de mudança será baseada em maniqueísmos (“o problema são os outros, os vilões; eu e os mocinhos somos vitimas”) e análises facebuquianas truístas. A solução fácil é o caminho para a morte.  Não existe mudança sem que ela mude também a mim mesmo e tenha implicações a meu estilo e escolhas de vida.