(John Henry Twachtman)
"as transformação misteriosas da existência
com que somente os mortos podem interferir na vida" Sandór Marai
Uma casa não são paredes. É uma argamassa emoldurada.
Móveis, Sons de dentro. Barulhos de fora. A janela, tela da rua. Os vizinhos e
o som da campainha. O cheiro quente do fogão.
As pessoas não estão dentro da casa. Fazem parte da
argamassa. Todos juntos, misturados como tijolos a formar uma arquitetura do
pertencimento tenso.
Um dia as paredes descascam, Tijolos racham,
quebram-se e caem. Há pequenos buracos.
Transmutações de sons e cheiros. A
estrutura pende, até capenga. Mas, o cimento intangível das relações continua a
segurar precariamente a casa. Continua casa, mesmo que já não nos caiba. Ainda
cabe quem fomos.
Mas um inevitável dia, a soma das perdas vence as
presenças. Memórias não seguram a casa. Não há mais presente. Há ruínas. Não há
mais casa.
A casa se torna um monumento arqueológico. Uma
tumba de reminiscências.
Neste dia, não há mais casa. Houve casa.
Não há mais deslocamento porque ninguém mais pertence
àquele lugar. Só os mortos a gritar sua ausência. A casa fica por fim, desabrigada.
Sobra o tangível de uma construção, uma casca já
não habitada pelos vivos. A casa se torna assombrada.
Toda casa termina túmulo.
O que era casa se mudou para dentro de nós. Lá
habita um quarto dos fundos, que vive fechado, com objetos empoeirados da
memória. A tela da janela vira uma fotografia amarelada. Estática. A morte de
uma paisagem
Não pertencemos mais a casa, ela finalmente é que nos
pertence.
É hora de abandonar a casa ou ser enterrado com
ela. Hora de contabilizar perdas ou se perder.
“Primeiro
habitamos em casas, depois as casas habitam em nós” EM