domingo

PROPÓSITOS


Una stella è caduta
Una festa è perduta
La mia barca è nel mare
Perché hai voluto stare
alla finestra a guardare
Ma Carolina perché
                     (Sergio Berdotti-Chico Buarque)

Comecei minhas breves (quais férias não são?) férias com dois propósitos. Ambos despropositais como convém a propósitos de férias.

O primeiro: avançar no esquema e escrever alguma coisa mais (um pequeno trecho foi escrito há um par de meses) do meu segundo romance. Por que um segundo romance?
Não que o primeiro tenha sido uma experiência boa. Porém, um livro não escrito ficaria para sempre na categoria de potencial best-seller. Um livro pensado seria perfeito. E por que publicar?  Para criar um túmulo. JORGE LUIS BORGES costumava lembrar (citando Alfonso Reyes) que a coisa boa em se publicar livros é que não passamos a vida a reescrevê-los. 

Não que eu tenha me esforçado para que ele fosse lido. Não que mais de  4,5 pessoas tenham o leram.  E nem é porque algum dos 4 leitores e meio, tenha me dito se a leitura lhe provocou memórias, pensamentos, emoções ou sono. 

Não me interprete mal. Não ser um best seller ou um best read (doei os poucos exemplares que imprimi) pelo menos, não é problema. Não ser lido nunca me impediu de escrever centenas de páginas. Quem fala pelos e para os cotovelos, não tem dificuldades de escrever impublicações. Não ter leitores dá uma liberdade ímpar. São livres os que andam pelas ruas falando sozinhos e a quem chamamos loucos, simplesmente porque veem o que não enxergamos e não fingem dialogar, como a maioria de nós faz. Eles podem xingar a própria mãe, a presidente, o papa, o chefe, o vizinho, deus, o próprio pau. Podem identificar as injustiças, podem contar passados que se esqueceram de ser. Enfim, eles podem tudo porque abriram mão da ilusão de que alguém é escutado. Não pretendem história porque sabem que tudo é narrativa. Se estamos todos sós, por que estar mudos? Meu primeiro livro é um louco vagando por um lugar escuro, falando, gritando para o eco sobre mundos desacontecidos, implausíveis e mais reais do que os que vemos nas imagens falsificadas pelas nossas retinas e discursos dos outros. Quem fala sozinho na rua, não é louco. Louco ficaria se ficasse calado. Fala para expulsar a loucura de si.  Bem, há os que escrevem para ninguém. 

Mas, justamente pelo que meu primeiro romance não foi, pela sua absoluta falta de eco, não sei se o escrevi mesmo ou se ele é apenas um fato de um romance, no qual eu sou um personagem. Assim, meu primeiro livro me deixou com esta desgraça que é a esperança. Neste caso, de escrever algo melhor.

O segundo propósito era encarar alguns escritores dos quais não tinha nenhuma referência, cujos livros me seduziram pelas orelhas. Uma das raças do universo de Jornada nas Estrelas, os Ferengis, capitalistas por religião, também se seduzem pelas orelhas. O que isto tem a ver com o livro? Nada. Voltando do espaço profundo para a Terra, melhor para a praia, decidir ler somente autores inéditos para mim, em obras escolhidas por afinidade, acaso ou carência. O que talvez seja a mesma coisa.

Resultado é que tive uma experiência de contato de 3º Grau, não com os Ferengis, mas com estes 4 primeiros livros inéditos, que li nestas duas semanas. Entendi claramente porque eles haviam me seduzido. Falam sobre memória, palavra, ilusões de vencer a morte pelas ideias, busca do graal do amor, do significado do humano, e outros temas destes inúteis para ganhar dinheiro e bons demais para caberem nas frases falsas da Clarice Lisperctor do FB.

Nenhum deles é um clássico, não frequentaram ementas de cursos universitários. Passarão em branco na lista dos mais vendidos da Veja. Melhor para mim. Assim, podemos conversar privada e tranquilamente, como em uma mesa de um bar vazio, com garçons pacientes. Foram livros amigos, não necessariamente bons para todos. Mas, foram bons comigo. E um livro assim, quando acaba, é como se uma boa conversa fosse interrompida porque deu a hora, vai passar o último ônibus, o bar fechou, o marido chegou ou você acordou. Livros companheiros sempre terminam prematuramente. Deixam a sensação de que não acabaram. Porque talvez nunca findem. Tem sempre aquele assunto que você queria ter falado e não deu tempo. Mas, foi bom o papo, ser tocado, chorar muito, ouvir a si mesmo melhor pelo outro do que por sua voz; ver, nos olhos destes escritores, o que o a miopia me impede de ver no espelho. Alias, o espelho só me diz que sou gordo, baixo, estou ficando careca e começo a parecer com meu professor de Ciências da 7º. Série, Senhor Chain.

No plano, tudo iria perfeito na convivência dos 2 propósitos de férias: escrever e ler parecem malbeq e churrasco, queijo e goiabada, sexo e água gelada, Mas, não. Ao ler estes livros parceiros, fiquei envergonhado do que vinha tentando escrever. Meus personagens pareceram canastrões demais, minha historia uma pretensão desmedida, meu texto um arremedo artificial de linguagem.

Os livros amigos? Como sei que este texto não será lido, posso revelar: Se um de Nós dois Morrer; O Sentido de um Fim; Valsa Esquecida e Ash Planet.

O primeiro, um livro-testamento de um escritor de um livro só e fracassado (qualquer coincidência...), ciente tanto da impossibilidade da escrita original quanto da possiblidade ímpar e redentora da palavra como vencedora do esquecimento. O segundo, um registro, uma edição da memória em que a vida se transforma. “O que você acaba lembrando nem sempre é a mesma coisa que viu”. Com ele, você pensa se o que acha que viveu (e o que não viveu) é passado ou edição. Se o Senhor Chain parecia mesmo comigo ou se eu é que me sinto cada dia mais Senhor Chain. O terceiro sobre o paradoxo de nenhum amor, em meio a amores que concorrem. Sobre a traição inevitável seja a nós mesmos, seja aos demais. Porque a vida é esta puta mistura linda de felicidade e negação; de possibilidade e impraticalidades.

E Ash Planet, o 4º livro? Ele conta sobre uma missão avançada da Nave Estelar Enterprise, em um planeta devastado do Sistema Aldebran. O que isto tem de lírico e literário? Nada, mas depois e ler os primeiros três livros, estava me emocionando até com receita da Ana Maria Braga.

Assim, sigo em 50% das metas do ano... Pode parecer nada, mas é nada mesmo.