sexta-feira

TRÊS LIVROS SOBRE RECEBER E UM SOBRE DOAR



Semana sem filhos em casa dá para colocar em dia algumas coisas. Tipo, a leitura :-) E lá fui eu para a "pilha (virtual) da estante cinza", onde estaciono os livros da categoria “importante ler”. Por isto mesmo, sua leitura perde para a estante dos “certamente interessantes”. A pilha pendente era toda sobre um tema: Filantropia
Foram 4 títulos (ou 3 mais um, já que um deles destoa em estilo e mensagem dos demais) Todos sobre o tema da doação (de dinheiro, principalmente) para filantropia.
Nos 3 títulos assemelhados, a leitura é leve e instrutiva, há úteis dados compilados e boas histórias. De resto, carecem profundamente de novidades, têm um tom repetitivo e ingênuo, típico da mitologia estadunidense do herói anti-Estado, da crença do indivíduo que faz a diferença fora de seu grupo. Assim mesmo, foi uma leitura muito importante para se atualizar no debate (principalmente norte-americano, mas com impactos globais) sobre o tema. Os livros ajudam a perceber que as principais mudanças das organizações filantrópicas não são decorrentes das profundas transformações nos problemas que tentam resolver. E sim reação pura e simples (se algo é simples em reagir) às questões dos novos filantropos. Em palavras claras, uma resposta ao mercado financiador, mais uma evidência de que este é o real cliente das organizações.  Houve um tempo em que se defendia a idéia “do duplo cliente” (beneficiários diretos e doadores financeiros). Estes livros revelam que este tempo passou para as grandes filantrópicas. O cliente é quem paga a conta, repetem insistente e de diversas maneiras os 3 livros.
Dos três, a obra mais bem estruturada (até porque se destina ao público “profissional”) é  “Leap of Reason: Managing to Outcomes in an Era of Scarcity” de Mario Morino.  Dados e gráficos para tentar provar que a filantropia vai em sentido contrário dos outros mercados, atrairá pela razão e não mais pela emoção.
 “Give Smart: Philanthropy That Gets Results (Melissa Berman)” é dirigido a doadores e traz fórmulas de envolvimento “modernas”. Na verdade, repetições de manuais de gestão da década de 80.

Mais inspirador para os que gostam de ver bons exemplos é “DO MORE THAN GIVE: The Six Practices of Donors Who Change the World (Leslie R. Crutchfield, John Kania e Mark R. Kramer). Dos 3, a leitura mais leve e fluida, quase uma grande revista. No fim da leitura, a conclusão a que se chega é que esta coisa de doar anonimamente, de apoiar às idéias dos outros é passado. O bom mesmo é “ser o  cara”:-)
A 4a. obra foi de longe a que mais me agradou. “The Hole in our gospel” (Richard Stearns). Belamente prefaciado em Espanhol por Harold Segura, Richard tem elegância, boas histórias, mas não ameniza na mensagem: doação é um compromisso moral, desinteressado de tudo, exceto do se doar a si mesmo. Richard diz que há muitas igrejas (e muitos outros grupos humanos) que estão buscando o conforto, agradar aos outros. Isto representa o vazio do livro. Se eu fosse criar um slogan com o livro de Stearns seria: “Cliente o escambau! Mova-se pelo seu compromisso moral.” A rima é pobre, eu sei. Mas, a mensagem compensa rsrsrs
Inútil negar o conflito entre a moralidade do livro de Stearns e a lógica presente nos outros 3 livros. Perigoso tentar combina-las, no final, há o risco de se usar o parâmetro dos 3 primeiros e o disfarçá-lo com o discurso do último livro.
Como Stearns com certeza já leu os outros 3, eu recomendaria para os autores desses 3 livros a leitura de Stearns:-)

POEIRA E MUDANÇA

Eu sou otimista, a realidade é que não é, dizia meu pai. Eu sou otimista com o avanço inevitável da liberdade e Democracia da tal “revolução democrática” do Oriente Médio, de 2011.
A mídia tentou ajudar meu otimismo. Levantes foram retratados com enredos cinematográficos. Criaram-se propósitos, lógicas. Principalmente, mocinhos e bandidos. Onde existe uma realidade política-social complexa, vendeu-se a idéia de jovens internéticos lutando contra tanques. Parafraseando Vandré, “da força do twitter, vencendo canhões”. Há quem compre isto. Eu gostaria de comprar. Mas, a realidade conspira contra meu otimismo.
Na Tunísia, o mesmo grupo apoiador da ditadura segue no poder e manobra para que nas eleições só seus apoiadores sejam candidatos viáveis. Conseguirá.
No Egito, o exército, que esteve no poder junto com Mubarak (e com Sadat, seu antecessor), segue intocavelmente forte e já garantiu junto aos potenciais candidatos de “oposição” (praticamente, todos ex-colaboradores íntimos do regime destituído) não só a garantia de seu espaço, mas até a ampliação. Exemplo, os tribunais independentes para militares, que Mubarak havia aceitado para aplacar a oposição das ruas, já foram revogados.
Na Líbia, potências ocidentais (as mesmas que fizeram as guerras do Iraque e Afeganistão) armam radicais e bandos civis para garantir o fluxo de petróleo. Bombardeiam alvos civis. Elegeram para o papel de vilão do momento, o mesmo ditador com o qual conviveram e eram sócios até 3 meses atrás (já vi este filme com outro ator, Sadam). O massacre da população civil líbia, a guerra civil e o crescimento de grupos radicais islâmicos são os únicos resultados concretos até agora. Diante da realidade tribal líbia, da profunda divisão do país e da inexistência de sociedade civil (ou partidos) esses serão os únicos resultados a se esperar, no futuro próximo.
Síria e Bahrein estão reprimindo com eficiência a oposição e o medo de mudanças radicais fará retroceder em uma ou mais décadas a lenta abertura que se operava nestes países.
Além das mortes, os movimentos no Norte africano provocam outra mudança concreta. As políticas imigratórias européias. França e Espanha recusam os barcos e trens de refugiados dos conflitos. Ameaçam rever os acordos de livre circulação dentro da UE. Seus representantes, com gravatas italianas, farão longos debates em Francês, citarão filósofos alemães. Ao final, usarão o conflito africano como desculpa para retroceder, ainda mais, suas políticas migratórias.
O que é vendido como avanço democrático, fora a troca de meia dúzia de corruptos, redundou em sangue e retrocesso. Sigo otimista, a realidade não.

quinta-feira

GRANDES EMPRESAS, GRANDES ENGANOS


Torço pelo Fluminense, sou capixaba, em resumo, um cara de paz.  Mas, hoje, ao escutar pela milionésisima vez certo discurso, reagi. O papo era aquele que enaltece a superioridade empresa (uso este termo no sentido lato, de “organização econômica, civil ou comercial, constituída para oferecer ao mercado bens e/ou serviços”) privada em relação aos governos, ONG’s e outras formas de organização empresarial, tais como empresas coletivas, etc.
Este discurso dá por certo, provado e irrefutável atributos da empresa privada. Todos bons. Qualidades como eficiência, maximização de resultados, transparência, bom uso de recursos, racionalidade todos seriam atribuídos, quase exclusividade, senão invenções da empresa privada. Todo o restante, ruim, caberia aos outros. Coisa de marketing, algo em que a empresa privada é irrefutavelmente melhor do que as demais formas de organização empresarial.
Pacientemente expliquei ao meu arrogante interlocutor que os dados não sustentam seu discurso. As empresas privadas são excelentes para gerar riquezas, mas não foram capazes de organizar com eficiência boa parte das grandes necessidades humanas. Segurança, Saúde, Habitação, Educação de Massas. Nas áreas que contribuem, só o fazem com algum grau de benefício público (estímulos/subsídios/concessões) por outras formas de associação (geralmente o Estado). Ou ainda, quando são reguladas e vigiadas.
Não há uma grande Universidade privada no mundo (as que não são públicas são religiosas ou de mantenedoras coletivas). Procure alguma instituição privada, entre a lista dos 50 maiores centros de pesquisa?  Não há. Os grandes feitos da Humanidade foram e continuam sendo alcançados por indivíduos organizados coletivamente em benefício coletivo. As grandes descobertas tinham interesses econômicos, mas foram estruturadas por Estados (não é à toa que a História mostra que os Estados Nacionais Modernos que primeiro se organizaram, Espanha e Portugal, saíram na frente nas descobertas). Foi uma agência estatal quem levou o Homem à Lua. Uma empresa privada não busca eficiência, busca lucro. Algo muito distinto. 
Tive que lembrar ao meu mal informado colega de:  Filas, protocolos perdidos, encomendas trocadas, cobranças indevidas, produtos com defeitos, propaganda enganosa, custos parciais transferidos a preço final. Nada disto existe na empresa privada? Algumas das corporações globais, cujos muito bem pagos CEOs posam nas capas das revistas como gurus da eficiência, não conseguem atender um simples queixa de seus consumidores.
Não queria, mas fui forçado a apelar para referências acadêmicas. No quesito transparência e bom uso de recursos, vale dizer (e provar) que os prejuízos decorrentes de desvios e fraudes nas empresas privadas excedem até mesmo a perda provocada pela corrupção no Estado. Quem diz isto é a Universidade de Cornell, verdadeira incubadora de CEOs, em um estudo sobre fraudes (Samuel Curtis Johnson “Graduate School of Management Journal" Dezembro de 2010). Você não votou no presidente da Merryl Linch ou da Mesbla, mas teve que pagar pelos seus prejuízos da mesma maneira.

Conhece algum  funcionário de empresa privada que daria aula para uma classe multiseriada lotada, por R$500,00/mês e ainda tiraria dinheiro do bolso para comprar materiais para seus alunos?  Pois isto ocorre em milhares de casos por todo o mundo em outros tipos de empresa (públicas, não-governamentais, etc). A capacidade de maximizar recursos é comprovadamente muito maior nos empreendimentos não-privados. Um Nobel de Economia (Stiglitz) já provou que a competição, embora maximize resultados em um primeiro ciclo, prejudica a eficiência e gera cartelizaçao em mercados abertos não-regulados.

Qualquer aluno de ensino médio estudou que, na evolução social, o mundo iniciou-se na empresa familiar, foi para a privada e só muito tempo depois chegou às formas de Estado e outras organizações coletivas e/ou associativas. Noutras palavras, o coletivo é a evolução do privado, não o contrário.
Mas, não quero cair no erro primário de alguns “oriundi” do mundo corporativo. Não defendo a superioridade de ONGs, do Governo, de ninguém. Os sacos são distintos, mas é tudo farinha. Há muitos erros e acertos. Não há monopólio das virtudes, nem exclusividade de vícios. Humanos compartilhamos nossas ineficiências e contradições. As diversas formas de empresa  aplicam-se a objetos distintos. Problemas coletivos não serão resolvidos pela lógica da empresa privada.

Meu interlocutor saiu tonto com os dados. Deve ter pensado que só um cara de ONG para falar este tipo de absurdo.  Sem problemas, sou um cara de paz e paciente. Esperei 26 anos por um novo título do brasileirão,  posso aguardar um pouco para meu colega perceber que a Microsoft tem muito a aprender com o Exército de Salvação  :)