quarta-feira

BORBOLETO



Como aquele outro, este jogo é infinito...

Rei tênue, torto bispo, encarniçada
rainha, torre direta e peão ladino
por sobre o negro e o branco do caminho
buscam e libram a batalha armada.
Desconhecem que a mão assinalada
do jogador governa seu destino,
....
Também o jogador é prisioneiro
 (diz-nos Omar) de um outro tabuleiro
de negras noites e de brancos dias.
Deus move o jogador, e este a peleja.
Que deus por trás de Deus a trama enseja
de poeira e tempo e sonho e agonias?
( J.L. Borges)
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No clássico “A Origem das Espécies”, Darwin afirma que “as refinadas danças entre casais e as brigas entre pretendentes são parte importante do processo de escolha dos parceiros sexuais”.

Meus filhos precisam ser gratos ao fato de que na nossa espécie a capacidade reprodutiva não dependa de nossas habilidades como dançarinos ou lutadores. Caso contrário, eles não existiriam. O processo de atração de parceiros entre nós é complexo e sofisticado. Os biólogos não sabem, mas isto se deve exclusivamente às fêmeas da espécie. Elas são a parte complexa e sofisticada. Se dependesse apenas de nós machos, tudo seria mais simples. E provavelmente já estaríamos fazendo companhia a Dinossauros e Mamutes na galeria de espécies extintas.

No Homo Sapiens (se os biólogos tirassem o olho do microscópio e olhassem para o mundo, a classificação seria Mulher Sapiens, Homo Tolinhos), são as trocas de olhares, as cantadas (não literais), as chegadas, as ficadas e o namoro que antecedem o acasalamento. Na opinião dos biólogos e de uma tia minha, incluída a cena toda, os e-mails, as flores, as poesias, as declarações de amor, o objetivo é o mesmo das demais espécies: chegar ao pódio, cama, etc. Na linguagem dos biólogos “conseguir um parceiro capaz de aumentar as chances de sobrevivência dos descendentes”. Na linguagem da minha tia, “Aquilo”. Alguns Homo(bem)Sapiens conseguem muito sucesso neste processo.

Foi Darwin quem, após anos de estudo, notou que o processo de seleção dos parceiros sexuais é uma força poderosa na evolução das espécies. Se ele saísse mais da estufa teria chegado a esta descoberta bem antes. Ele chamou esse processo de seleção sexual. Se as fêmeas de uma espécie de pássaros escolhem os machos mais coloridos, ao longo de gerações, todos os pássaros serão muito coloridos. Se escolherem o macho pelo critério da força demonstrada em uma luta, haverá indivíduos cada vez mais fortes. Com exceção do Homo(que nunca foi)Sapiens, nas demais espécies quanto maior o chifre do macho, mais bem sucedido ele é. E mais herdeiros chifrudos ele gerará. Darwin concluiu que isto explicaria porque machos disputam, medem forças para saber quem é maior (coisa bem de macho mesmo).

Resumo: o futuro da espécie reside na capacidade de julgamento das fêmeas. O padrão natureza é que as fêmeas detêm a escolha. Se Darwin saísse na balada, não precisaria ter ficado anos em um navio e estudado tartarugas gigantes em ilhas remotas para descobrir isto.

Aos machos cabe o papel de cortejadores. Dançam, exibem sua plumagem e seus chifres (algo que não parece muito “coisa de macho”, mas tudo bem). As fêmeas detêm o poder de cortejadas. Juízas soberanas. Observam, dão notas e escolhem. Para os biólogos, isto explica porque os machos desenvolvem a parafernália vistosa ou bélica. Por sua vez, as fêmeas seriam discretas e não exibiriam seu verdadeiro poder. Machos seriam exibidos e fêmeas esconderiam o jogo. Outra constatação Darwin teria feito muito rapidamente, se fosse mais chegado na perpetuação da própria espécie.

Porém, há exceções ao padrão cortejador-cortejada, nos quais os papéis estão invertidos. Não me refiro às diversas opções. A Biologia tem estudado com detido interesse às espécies nas quais as fêmeas se exibem e os machos escolhem.

Além deste diminuto grupo excepcional, Fernando Reinach (Biólogo) escreveu recentemente sobre uma grande descoberta científica: Uma pesquisa que descobriu uma espécie onde os dois papéis existem, alternadamente. As borboletas africanas, Bicyclus Anynana. Como ela cresce e se reproduz em poucas semanas, e não perde tempo no Facebook, Blogs e coisas assim, aprende e se adapta muito rapidamente. Nas borboletas que nasciam na época da chuva, são os machos (a despeito das calúnias, há sim borboletas machos) que assumem o papel de cortejadores. Eles dançam em volta das cortejadas, para estimular a cortejada a mostrar sua beleza. Mas, esse comportamento se inverte na época das secas, quando as fêmeas assumem o papel ativo e os machos se deixam cortejar. Borboletas modernosas estas.

É o primeiro caso documentado da alternância de papéis entre cortejado e cortejadores em uma espécie animal. No Homo(nada)Sapiens, ainda há divergências debatidas nas universidades e botecos ao redor do mundo. Os biólogos dizem que talvez nossa espécie possa se encaixar neste grupo também. Certamente eles, como seu guru Darwin, andam passando muito tempo na estufa. Eu não preciso de Biologia para saber em que grupo estou. Mas, talvez isto se deva à minha experiência. Afinal de contas, meus dados pessoais influenciam na minha ciência.

Os cientistas declaram que não têm certeza de qual seria a vantagem dessa alternância de papéis entre os sexos. Mais uma evidência de que saem pouco do laboratório. Se você é uma pessoa que gosta de ir à luta, mas noutras gostaria de ser cortejado e exercer o passivo poder da escolha, talvez exista um pouco de Bicyclus Anynana em você.

Quanto a mim, se existir reencarnação, já decidi o que quero ser: Borboleto.